- Os senhores sabem onde está o Saul?
Os pescadores olharam para os dois inspectores que, de dentro do carro, lhes perguntaram indelicadamente pelo conhecido alhandrense. E pensaram "Eles que o descubram", enquanto olharam para o reflexo das luzes da natureza na água do Tejo.
- Vai, segue até à casa dele, é nesta rua se não estou em erro...
- Consegues ler o endereço, Pinto?
- Acho que sim, é Rua Alves Redol... Número 15 ou 75, não consigo ver bem.
O carro seguiu pelas ruas escuras, de casas baixas e portas fechadas. A noite tinha um travo marítimo, e o odor das redes de pesca que secavam ao relento tornava-se mais intenso à medida que os inspectores se aproximavam da casa verde com o número 75 na porta. Os dois saíram, as luzes iluminaram a marcha e as sombras aproximaram-se da porta.
Quando a campainha soou, foi seguida de um silência que impacientou. Depois de mais dois toques igualmente sem resposta, Sequeira perguntou a Pinto: "E agora?" Pinto encolheu os ombros, e estavam quase a perder o rasto de Sousa e respectiva nora, quando viram um corpo cambaleante aproximando-se da casa.
- Sr. Saul?
- Quem são vocês, pá?... O que é que se passa? - respondeu o corpulento e alcoolizado homem que se encostou à esquina para não cair.
- Sr. Saul, estamos à procura do inspec... quer dizer, ex-inspector Humberto Sousa. Sabe onde é que ele está?
- Se sei onde está? Não, mas imagino que saiba o que está prestes a fazer?
- Do que fala? Olhe que o seu amigo vai-se meter numa alhada...
- CALEM-SE! Vocês, miúdos que acabaram de sair da merda da saia dos vossos pais, chegam aqui e pensam que sabem o que se passa. Não viveram a guerra... A guerra que nos lixou a cabeça a todos!
Os inspectores pensaram que não conseguiriam nada enquanto Saul não ingerisse uma colossal dose de café forte sem açúcar. Ainda lhe tiraram as medidas calculando que seria difícil manietá-lo, dada a diferença de envergaduras. Contudo, surpreendentemente a resposta chegou calmamente.
- Os "senhores" deviam ter conseguido descobrir o assassino antes do Sousa. Ele é um tipo às direitas, e um dos melhores inspectores que a PJ já teve... Mas está reformado, e vocês não foram melhores que ele...
- Mas o Humberto Sousa descobriu que matou os dois miúdos?
- Descobriu! Até eu descobri! Foi o Marques.
- Qual Marques?
- O desaparecido em combate Marques, desertor da guerra colonial, o cabrão mais implacável que Portugal viu nascer. Vocês têm de o encontrar.
Passados alguns minutos, o carro negro rolava na direcção da Ponte Marechal Carmona, no sentido do Porto Alto. No seu interior, o telemóvel recebia e cruzava dados biográficos com a Central, enquanto no Arquivo Histórico-Militar do Exército um sargento de dia estremunhado se arrastava para o arquivo empoeirado.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
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