Jardim de Vila Franca. Manhã. Frio.
Os miúdos jogam à bola, indiferentes à temperatura baixa que se fazia sentir. Os corpos agitados, sorridentes, disputam a bola sem medo de quedas, esfoladelas ou querelas pela vitória.
Humberto, que andou em passos largos e confiantes entre o carro e o pequeno ajuntamento de divertidos, abrandou a passada. Os miúdos sempre foram o seu ponto fraco quando era inspector.
Nunca soube como os abordar, compreender... como extrair o melhor das suas mentes, para benefício das investigações em que se viu envolvido.
"Bom, o que tem de ser tem de ser", pensou, enquanto levantava a mão direita.
-"Eh, rapazes, cheguem aqui, se faz favor!", convocou.
-"O que é, sócio?", pergunta o rapaz mais espigadote, de bola debaixo do braço. Humberto revira os olhos e pensa que esta vai ser uma conversa difícil...
-"Algum de vocês viu o que se passou ontem ali no cais?"
-"Então não vimos! Foi bueda fixe, não foi? O tipo 'tava todo marado...", respondeu o mesmo espigadote, olhando para os amigos que se aproximavam, em busca de aprovação grupal. Todos riram.
-" Pois... bom, e algum de vocês viu alguma coisa esquisita? Alguém vos fez um pedido estranho enquanto a polícia estava de volta do corp.... da situação?"
Todos abanaram a cabeça negativamente, com ar surpreso. Humberto percebeu que as suas competências psicológicas não lhe permitiriam obter ali informação útil .
-"OK, então fazemos assim: eu tenho aqui um cartãozinho com o meu número de telemóvel. Se algum de vocês tiver informações sobre o que aconteceu, liguem-me que vou ficar muito agradecido."
-" Ah, 'tá bem... E o que é que a gente ganha com isso, sócio?"
-"Prometo que vos dou umas alvíssaras à maneira!"
-"Alviquê??"
-"Recompensa. Uma recompensa jeitosa."
-"Ah...". O espigadote deixa cair a bola no chão, chutando-a para a zona onde jogavam quando foram interrompidos, e todos correm para reaquecer os corpos que esfriavam.
Enquanto os vê afastarem-se, Humberto sente que este caminho o conduziu a um beco sem saída. Uma caixa cheia de peças que tanto podem ser um puzzle incompleto, mas com sentido, como simples acasos sem sentido.
Enquanto vê o homem velho afastar-se, Jonas aproxima-se do Salinas.
-"Puto, deixa lá ver o cartão do velho."
-"Para quê, Jójó? Queres ir fazer uma visita ao lar de idosos, é?", responde Salinas com um riso gozão, enquanto entrega o cartão beje e prossegue com a disputa da redonda.
-"Achas que sim, otário? Vou mas é mijar e deito essa merda fora!"
Pedro afasta-se com ar despreocupado, até entrar no Pavilhão. Dirige-se à cabine telefónica, introduz algumas moedas, liga para um número que decorou na noite anterior.
-"Quem é?", atende uma voz.
-"Sou eu, o Jójó."
-"Ah... Então, tens novidades?"
-"Acho que sim... Veio cá aquele tipo de ontem, do barco que você me pediu para deixar a carta...perguntar se algum de nós sabia alguma coisa do que aconteceu... Deixou um cartão com o número de telefone."
-"Ai sim?... Dá-me lá esse nome e número, então...", pede a voz calmamente.
-"E guito? Não ganho nada?"
-"Rapaz, rapaz... a ganância é um pecado mortal, não andaste na catequese? Enfim, dá-me o que te pedi, e hoje mesmo vou aí dar-te mais 100 euros, ok?"
O rapaz saltou de animação, com o auscultador na mão esquerda e o cartão na mão direita, e a conversa continuou por mais alguns segundos. Foi a última alegria que teve.
quarta-feira, 4 de março de 2009
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