O sótão estava cheio. Pó, caixas de ladrilho cola, latas de tinta velha, sacos pretos de conteúdo indefinido, tudo formava uma estrutura de formas indistintas e cores baças.
Tossindo ligeiramente por reflexo, Humberto agachou-se enquanto se perguntava onde tinha deixado o que procurava. Pensava que estaria por ali, eventualmente debaixo de um dos sacos, ou atrás das caixas de materiais de construção... Removeu, arrastou, levantou, espreitou.
Lá estava ela.
Com a mão direita pegou-lhe, enquanto a esquerda amparava a queda de coisas diversas. Sacando a caixa, deixou que a gravidade levasse a sua avante, e o pó deu mais umas piruetas, à luz dos finos raios de sol que entravam pelas frestas dos azulejos transparentes.
"Cá estão os despojos de guerra". Abrindo a caixa que estava coberta de selos antigos, Humberto deu um mergulho em memórias de um continente e de uma vida que ficaram lá atrás, noutro tempo...
As mãos foram afastando com cuidado os objectos que o jovem furriel miliciano em Angola acumulou e guardou: umas munições de G3, algumas penas de pássaros exóticos, recortes de notícias da guerra e do futebol, postais da metrópole. Mas eram as fotografias que lhe interessavam.
Passou-as de dedos para dedos. Olhou bem. Retirou uma e sentou-se em cima das caixas sujas e frias, enquanto a certeza sem provas e baseada unicamente no instinto o ia soterrando na aflição.
"Queres ver que o Marques está por trás disto?", perguntava-se.
quarta-feira, 25 de março de 2009
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