terça-feira, 26 de maio de 2009

Luar no alpendre II

O carro parou suavemente na berma da estrada escura. A condutora e o pendura respiraram o ar pesado, pois a noite os fazia sentir um peso no peito.
Vanda lançou a mão e agarrou na caixa do medicamento, para dela retirar a bula.

Leu a posologia, murmurando, e confirmou que a dose que Humberto tinha no organismo era suficiente.

Recolocou a bula na caixa de letras verdes, e olhou para o homem que, ao seu lado, estava com a cabeça muito longe.

- Estás a pensar em quê, Humberto?
-... Hum? - respondeu Humberto Sousa, surpreendido pelas palavras.
- Estás a pensar em quê? - repetiu Vanda a pergunta.
- Estou a pensar que foi numa noite parecida com esta que vi pela última vez o homem que achamos que raptou o Mário. Numa noite tropical, também cheia de tensão e angústia...
- Pois, mas esta situação não deve ser nada como a que vocês viveram. Que eu saiba, este cabrão é doido e só fez mal até agora a quem nunca lhe fez nada!
- ... Tens razão, Vanda. Isto é muito diferente.

"Mas é também o mesmo dilema: pessoas que morrem, pessoas que sofrem", pensou Humberto.

-... Estás a ver este caminho, Vanda?
- Sim. É para seguirmos por aí?
- Não! O Marques ouvir-nos-ia chegar antes de nós próprios o percebermos...
- Então vamos a pé!
- Não é "vamos", é "vou". - retorquiu Humberto.
- Mas sou eu que tenho a arma, e tu estás um caco! Não podes ir só!
- Mas vou. Tu não vais estragar ainda mais a tua vida. Tens uma filha para criar, e toda este lodo é meu, não teu.

Vanda trocou um olhar ameaçador com Humberto. Estava decidida a não deixar Filipa crescer sem pai, a contrariar o destino que a fez crescer na ex-colónia com um pai mais ausente que muitos ausentes por falecimento.
No entanto, o olhar convicto não foi suficiente. Humberto pôs-lhe a mão no ombro, e seguidamente pegou calmamente na arma que a nora agarrava com firmeza.

Vanda entregou nas mãos de Humberto, um velho doente e vestido apenas com uma bata de hospital (não tinham encontrado nenhuma loja de roupa aberta àquela hora, nem puderam voltar atrás para Alhandra), a vida da sua família.

O homem velho saiu, e com passos lentos desapareceu no meio do trigo selvagem que a lua iluminava suavemente.

Sem comentários:

Enviar um comentário