quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Interrogatório

Já estávamos sentados no Gaivota há demasiado tempo para os nossos interrogadores acharem que a coisa estava a correr bem. Enquanto os vilafranquenses ao balcão tentavam parecer desinteressados, os nossos "amigos" aumentavam o tom de voz...

- "Vocês não vão dizer porque é que vinham de barco precisamente para o local onde o corpo foi encontrado, com um tempo destes?", perguntou o que parecia mais tenrinho.

- "Não sei do que é que o senhor está a falar, nós só estávamos à pesca!", respondeu Saul, aparentemente ríspido mas, no fundo, gozando em antecipação com o momento em que descobrissem que eu era um deles (ou fui...).

- "Oiçam, a indicação que a polícia recebeu foi de que uma pessoa viu o corpo hoje de manhã e fez uns sinais para um barco que estava no meio do rio! Isto não é uma informação que se consiga esconder, e vocês dois poderiam ser perfeitamente o tipo da margem e o tipo do barco que a nossa testemunha viu. Acham que temos algum problema em mandar-vos para a cadeia por uma noite ou duas, até que as coisas se esclareçam?"

Bom, estava na hora de largar a minha intenção de prosseguir com esta investigação a solo.

- "Cavalheiros, não se enervem...", respondi-lhes, enquanto me levantei lentamente para não alvoroçar o ambiente. Aproximei-me do nosso interrogador mais maduro, e mostrei-lhe a identificação da minha carteira.

Sem uma palavra, afastou-se para segredar algumas palavras ao colega mais exaltado. O seu rosto pareceu, simultaneamente, suspreso e aliviado. É que de nós não estava a conseguir mesmo nada...

- "Bom, parece que aqui o Humberto já vos deu uma ideia da razão pela qual estávamos a passar por ali numa tarde manhosa como esta." Saul sabia que estava na hora de todos nós trocarmos algumas impressões (e de ele, que percebia menos que nós do que se passava, ser introduzido no problema).

- "Bom, eu sou o inspector Pinto e este é o inspector Sequeira." Cumprimentámo-nos, como se estivéssemos a fazer um reset à desagravável conversa anterior, enquanto os surpreendidos assistentes faziam um esforço ainda maior para parecerem desinteressados do diálogo.

- "O que é que acha disto, inspector-chefe Humberto?.. Foi você quem passou por aqui hoje de manhã?"

- "Fui. Pareceu-me ver qualquer coisa na água, mas quando me aproximei não fiquei certo do que tinha visto e lembrei-me de pedir ao meu amigo aqui para virmos à tarde confirmar. Não queria fazer figuras tristes, não é, colegas?", despachei, com uma história que lhes deu apenas o suficiente para não passar por mentiroso e abrir o caminho da confiança e consequente troca de informações.

-" Claro, bate quase tudo certo com o que a testemunha disse. E o barco que de manhã lá estava? O inspector conhecia a pessoa, comunicou?..."

-"Não, não. Parecia-me apenas um pescador qualquer, que me fez adeus por confusão com alguém..."

- "OK. Bom, vamos então com o corpo para o Instituto Nacional de Medicina Legal, para ver se percebemos que tipo de corte levou à perda dos membros. E tentar identificar a causa de morte, claro. Em princípio iremos pedir-lhe que venha lá à sede fazer-nos uma visita para prestar mais declarações, como o inspector sabe..."

- "Não se preocupem, desde que me reformei nunca mais lá fui e sempre tenho uma razão para matar saudades da minha malta. Já agora... O que acham disto? Já deu para algumas conclusões?"

- "Conclusões propriamente, não... mas de certeza que teremos muito que escavar, nesta história, como pode ver", disse Pinto, enquanto me mostrava dois sacos plásticos com objectos inusitados: uma anilha de pombo e um pequeno terço em plástico verde fluorescente.

"Isto está a tornar-se cada vez mais interessante...", pensei para comigo, enquanto ia começando a acumular peças soltas de um puzzle progressivamente complexo.

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