quinta-feira, 2 de abril de 2009

Garagem II

Quando Marques fechou a porta do frigorífico, a cerveja fresca na sua mão chocou com o calor e o suor e fê-lo sentir-se bem. Com a faca, retirou a cápsula e o som característico do ar entrando rapidamente na garrafa foi ouvido pelo torturado que, ainda preso na cadeira, chorava na sala ao lado.

Os pombos arrulhavam no exterior. Ouvia-se um cavalo ao longe a trotar, e o som de água a correr naturalmente dava uma sensação de paz e sossego. Falso.

O homem que bebia calmamente a sua cerveja saboreava, no ralo, um resto de sangue que se transferiu da faca para a garrafa. Não lhe soube bem, mas... enfim.

Limpou os lábios, caminhou para a sala contígua à cozinha e posicionou-se em frente a Mário Sousa, nesse momento apenas um corpo sem vontade própria que sangrava, chorava e continuava sem perceber absolutamente nada do que teria feito de tão errado na sua vida para estar naquele momento num tão gratuito sofrimento.

Tirou-lhe a venda da boca, pois Mário não teria forças nem coragem para, indefeso, começar a gritar.

"Sabes quem sou eu, rapaz? Sabes quem és tu, e porque estás aqui a fazer-me companhia tão amavelmente?", perguntou num sussuro Marques, o torturador.

E Mário Sousa não sabia que era no seu bilhete de identidade, mais precisamente na filiação paterna que quase esquecera, que estava a resposta.

Como poderia colocar essa hipótese, se não falava com o pai, Humberto, desde que saiu de casa nos primeiros anos da adolescência num exercíco de casmurrice contra casmurrice?

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