quinta-feira, 16 de abril de 2009

Neta I

Humberto Sousa está sentado no carro há uma hora. À frente da casa do filho, da nora e da neta. Nervoso, sem saber como agir, com sentimentos digladiando-se no peito dorido.

A rua do Sobralinho vê a luz do sol descer suavemente, e o autocarro ascende ruidoso. Saem duas raparigas e um rapaz, adolescentes com as mochilas cheias de sonhos e sorrisos e conversas fúteis. A rapariga de cabelos castanhos-escuros ondulados despede-se dos colegas e dirige-se para o rés-do-chão enquanto procura pela chave. Humberto prepara-se para o embate, abrindo a porta e saindo do carro vagaroso.

-... Desculpa. Chamas-te Filipa? - pergunta o homem à rapariga de cabelos ondulados.
- O quê? Quem é você? - responde abrupta a jovem, estacando o corpo surpreendido pela abordagem.
- Peço desculpa por perguntar, mas eu sou o teu avô e estou à procura do teu pai...
- Avô?? Mas eu não tenho avô!

A rapariga entra no cabeleireiro, porta sempre aberta, olhando por cima do ombro o homem frustrado pela sua conhecida inaptidão para o diálogo com jovens, confirmado dramaticamente os tempos em que ainda dava guarida ao próprio filho...

- Olá, Filipa! Então vieste arranjar outra vez o cabelo, é? Esses namorados...
- Boa tarde, Beta. Desculpe ter entrado assim, mas está um tipo ali fora a dizer que é meu avô...
- Quem, aquele senhor??
- Sim! O que é que eu faço?
-... Acho que não precisas de fazer nada, Filipa. Olha ali a tua mãe a correr pela rua abaixo. Acho que eles se conhecem...

A mãe corre, anos de cigarros queimando nos pulmões, proveniente do lugar onde a boleia a deixou. Aproxima-se a passos largos do homem que Filipa nunca viu e, sem palavras, dá-lhe um estalo.
A música do cabeleireiro não deixa Filipa ouvir as palavras que se trocam depois, mas percebe que a mãe trata de expulsar o homem, apontando francamente para o infinito. A adolescente sai, a tempo de ouvir:

- ...Vanda, só vim perguntar uma coisa...
- Vá-se daqui. Saia daqui, JÁ!
- Vanda...
- VÁ-SE EMBORA, JÁ DISSE!
- Sabes onde está o meu filho?
- Não, não sabemos. Porquê?...

A mulher parou de gritar, e baixou as mãos. Deu-se conta de que apenas um motivo mais forte que o orgulho ou o amor-próprio traria Humberto Sousa à aldeia do Sobralinho.

Apenas um motivo de vida ou morte.

Olhou para a filha e disse-lhe: "Filipa, este é o teu avô."

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